eles virão buscar-vos brevemente...

terça-feira, 14 de junho de 2011

fumo. 06/2011

"A boca dela parece um pouco mais fina" era o que pensava exactamente naquele momento. Nada mais. O presente não era definido palas palavras que pronunciava, nem pelo espaço que rodeava ambos. Nem se recordava da última vez que haviam estado juntos; recordava-se sim, que não tinha sido uma situação nada agradável, pelo menos para ele. Mas já havia passado muito tempo; demasiado. Era uma outra mulher que tinha agora à sua frente, embora não a conseguisse definir. Ela mudara; ele mudara. E no entanto, eram os mesmos. Que bizarro... "Ã?" Ela leva mais um cigarro à boca. É o quarto ou o quinto. Quase que antevê o maço a meio antes de se despedirem. Ele às vezes tinha esse dom, o da premonição. Previra que as coisas iam correr mal; previra que ela lhe escondia coisas, talvez até com boas intenções; e previa agora que não se iam voltar a ver novamente durante bastante tempo. Não que lhe incomodasse muito; de facto, surpreendido como estava de como as coisas se transformaram em alguns meses - os hábitos mudados, as intimidades perdidas - principalmente considerando-se a vítima, tudo aquilo agora lhe cheirava a preocupações que não era suposto ter. Tal como o outro cigarro que puxa e que antes o irritava tanto. "Certas coisas mudam para o bem, outras para o mal e outras nunca mudam, apenas se mostram quando antes estavam ocultas, de vergonha ou medo" Lá por dentro questiona-se se as pessoas realmente não dão importância ao que têm de maior valor. Para ele, os avisos das caixas de tabaco são sérios. Tinha já perdido pessoas por causa de vícios. Mas tudo isso poderão ser paranóias de alguém sem vontade de viver, pelo menos na mente de alguns. Ele é tudo menos paranóico. É o sr. calmo; aquele que vive por gostar de viver e ver viver. Mas este momento actual não é isso. É um esforço sorrir. Como quem sorri para o seu assassino. "Mas não falaremos nisso. Não me quero aborrecer, nem a mim, nem a ti." Ele respeita-a demasiado, sem que ela o mereça, provavelmente. Ela não terá o mesmo sentimento. As coisas para ela passam. E como o fumo que desaparece a uma certa distância da sua boca, todo o ser dele também desaparecerá da vida dela com o devido tempo. Há fumo, mas não há fogo.