eles virão buscar-vos brevemente...

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

As Máscaras - I

Jeff apercebeu-se de que algo estava errado imediatamente após abrir a porta de casa. Ainda tinha a sua máscara colocada e as chaves na parte de fora da fechadura quando lhe chegou aquele aroma que já ocasionalmente experimentara, mas só quando vinha mais cedo do trabalho e não dera tempo à mulher para disfarçar totalmente com incenso o cheiro a sexo que infestava o seu velho apartamento. E no entanto, desta vez algo estava diferente. Eram as luzes mais baixas e uma peça de roupa cirurgicamente colocada à frente da porta e aquela música que nunca percebera nem queria perceber, mas que ela adorava. E ele hoje nem sequer chegara mais cedo; pelo contrário. Finalmente ela chegara ao ponto em que já nem se esforçara para esconder a sua infidelidade. "Natasha?", soltou, enquanto tirava a máscara; essa máscara que possuia desde que se lembrava e que com ele tinha passado por todos os bons e maus momentos.
As máscaras de todos os habitantes da colónia tinham o objectivo de serem assustadoras; todos eles viviam quase literalmente com o medo nas suas caras. Mas a sua máscara era ao mesmo tempo o rosto que melhor conhecia, salvo o seu próprio. Ou talvez não.
Pensando no que o aguardaria do outro lado da porta do quarto, focou-se nos olhos vazios daquele objecto de borracha, fibra verde e por partículas de psylium azuis fluorescentes a esvanecer e encolheu os ombros como quem diz "será mais um desses maus momentos que passamos juntos hoje?".
Ouvia barulho no quarto, ocasionalmente a voz da mulher, e só pedia que quando lá chegasse ela estivesse só. Não queria passar por uma daquelas cenas de em que toda a gente fica incomodada e desconfortável e ouvir da boca do outro gajo "Se calhar é melhor sair..." "Não não, por favor, não se incomode. Fique aí a fodê-la que eu fico só a ver, se não se importa" E qualquer que fosse a reacção do homem a este seu pedido matá-lo-ia à porrada de seguida. Matar talvez seja exagerado, mas ao menos parti-lo de forma a que nunca se esquecesse de que Jeff Barnes poderia ser corno, mas só até certo ponto. Quiçá partir-lhe os joelhos, desfazendo-lhe as rótulas uma a uma com o seu bastão da rua ou, mais directamente, esmagar-lhe os colhões - bastante simples e sempre eficaz, ou pelo menos assim presumia. Não... Se fosse quem pensava, faria algo mais memorável e destructivo. Lembrava-se de quem tinha posto na cabeça de Natasha aquela música. Para "ele", era preciso algo especial, algo que o impedisse de tocar aquela guitarra estridente, como se fosse o maior do mundo. Dar-lhe-ia cabo dos tendõezinhos no seu antebraço e deixá-lo-ia com dois pesos mortos nas pontas dos braços. Nem bater punhetas, nem sequer limpar o rabo conseguiria. E se o momento se tornasse demasiado irritativo, ganharia a lotaria, as três coisas, joelhos, colhões e cotos. E ela? Aquela puta mal agradecida, que o humilhava há já tanto tempo; afinal de contas o que a unia a ele ainda para além de um cartão de plástico matrimonial? Pior, afinal de contas o que o unia a ela? Destruí-la-ia violentamente, dilareceraria aquela pele branca, rasgando como se tecido se tratasse, um tecido tornado púrpura...
Não. Não faria nada disso, na verdade. Não era homem para esse tipo de reacções dramáticas. Ao menos se ainda amasse a mulher; aliás amava os seus lábios, só e apenas os seus lábios, mas isso não era suficiente. De certa forma estranha até lhe agradecia um pouco este tipo de imprevistos. Lembravam-no de que ainda tinha emoções, mesmo naquele mundo de escuridão e rotina. Casa, máscara, trabalho, máscara, casa.
Mas hesitava demasiado, tinha que entrar no quarto. A curiosidade era muita. Tinha apostado com a sua máscara um copo de pulley em como o filho da puta era o Henry. Já a máscara era da opinião de que era Mike. Fosse como fosse não tencionava pagar o copo à máscara, nem mesmo pela dezena de vezes que esta já lhe salvara a vida. Mas suspeitava que a máscara também não pretendia honrar o compromisso caso perdesse. Afinal de contas ela não tinha dinheiro. "E o que fazer no caso de lá estarem os dois?" Essa era nova...só mesmo a máscara, para pensar nesse tipo de coisas, agora.
Raios. "Natasha!" Nada. "Vou entrar!"
Mas ao passar a porta nada o poderia preparar para o que encontrou. Não estava mesmo mais ninguém na divisão, só aquilo. Por cima da cama desfeita, apenas um corpo nu de mulher completamente desfeito, afogado em sangue. Seria a sua esposa? Mas não conseguia ter a certeza dali. Aproximou-se ainda meio incrédulo com o que via à sua frente. A cara doce de Natasha estava vermelha como os seus cabelos naturalmente ruivos, escondida por baixo de uma camada de sangue, ainda fresco. Notou em algo bizarro. Os seus lábios haviam sido arrancados, talvez à dentada. Virou a cara, não conseguia processar o que sentia, eram emoções a mais. O resto do quarto estava sarapintado pelo que presumia terem sido esguichos de sangue projectados do agora cadáver, convertendo as paredes em quadros macabros dos quais ele era agora o infeliz e chocado apreciador.
Então, mas e as vozes? Estaria ele mesmo ali ao lado enquanto aquela monstrosidade acontecia? Se estes eram os quadros, onde estava o pintor?
Ouviu um ruído vindo de fora. A janela, à esquerda, estava aberta. Seria possível? Jeff correu e meteu a cabeça de fora do parapeito. Mas não descortinou nada. Tudo estava silencioso e escuro, como de normal. Tudo excepto aquelas duas pintas amarelas que pareciam flutuar no ar, lá ao longe. Pintas que desapareceram por trás de uma cabeleira verde que se afastava calmamente para a escuridão deixando apenas um leve rasto azul fluorescente no ar. Uma pinta em cada bochecha. Uma cabeleira verde. Era uma máscara. Não podia ser, mas era o que via. Era a sua... a sua máscara.

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