eles virão buscar-vos brevemente...

quarta-feira, 6 de abril de 2011

demasiado comprido e tenho sono. bear with me 04/2011

Não consigo descortinar se será positivo ou não o facto de me dar prazer estar à frente do computador a pensar em coisas já pensadas e escrever coisas já escritas. Como eu detesto repetir-me. Mas actualmente é capaz de ser a única coisa que a muito curto-prazo me faz sentir uma possível ilusão de utilidade ao criar. Sim, criar pode ser uma palavra demasiado forte, chamemos-lhe de traduzir uma linha de pensamento. No fundo não estou a criar nada. Mas às vezes os nossos atributos e desejos têm uma vontade própria. Eu próprio não quero estar a escrever agora e sentir o mínimo de prazer com isso, trazendo a quem, coitado, tem a paciência e a boa vontade de ler isto, ainda mais tristeza e desilusão, para além de um enorme aborrecimento e ódio pela inutilidade que algumas palavras podem atingir. Para esses, deixo então um pequeno conto.
Era uma vez uma pequena rapariga. Desde cedo que esta rapariga tinha um enorme gosto. Adorava dizer às pessoas o quanto gostava de subir coisas, fossem árvores, rochedos, casas. Andava sempre com uma corda atrás, na qual fazia um laço e a qual atirava, prendendo-a de forma exacta e apertada aos objectos que achava capazes de a ajudar a subir. Que momento maravilhoso para ela aquele em que o nó do laço se deslocava e forçava a corda a ficar tensa nas suas mãos! E que êxtase era subir por essa corda! Um dia, ao tentar subir uma encosta mais íngreme, sem pontos para onde pudesse atirar a corda, e já depois de muito tempo amuada com a decisão de ter de regressar, a rapariga acaba por ver uma cabra selvagem. Havia algumas por aqueles lados... Vivem precisamente nestas encostas, e sobem e descem-nas diariamente. A cabra, quando a vê, começa apressadamente a subir a encosta. Neste momento, sem pensar, a rapariga atira o seu laço com toda a sua força e consegue prendê-lo ao pescoço da cabra. Que maravilha! Aí estava a corda tensa, mais uma vez, e ela a subir a escarpa, sem se esforçar, meramente a ser puxada pela cabra até ao cimo do monte. Chegada a cima, a cabra desapareceu. Em vez dela, uma presença semi-trasparente era o que agora se aproximava. Essa presença disse-lhe que lhe daria algo ligado à coisa que ela mais gostava. No dia seguinte, a rapariga acorda com uma corda presa a cada dedo da sua mão. Cada uma com um laço na ponta. A rapariga fica felicíssima. Regressa à encosta e vê mais algumas cabras. Sem sequer pensar, as cordas lançam-se aos pescoços das cabras, que desatam a subir a encosta e a rapariga, mais uma vez fica envolta no que é para si a maior sensação do mundo. Mas desta vez a rapariga não se deixa ir. Prefere sentir ao pormenor o quanto a corda estica e depois, sim, quando já não lhe restam forças, as cabras levam-na pelo ar. No dia seguinte, a rapariga decide ir por outro caminho, por onde nunca foi. Para sua desilusão, não encontrou nada que subir, era tudo plano. Começa a chover. A rapariga vê ao longe algo, um grupo de animais. Ao aproximar-se, vê que são cavalos. Mais uma vez os seus dez dedos esticam-se com um rápido reflexo para eles, e prendem-se aos seus pescoços através das cordas. Durante todo o dia a rapariga foi pelo ar, puxada pelos cavalos, e nunca tinha sentido tremenda felicidade.
No dia seguinte, a rapariga ficou doente. A sua mãe ficou a tratar dela e ia levar ocasionalmente comida ao seu quarto e medir-lhe a temperatura na testa. A rapariga entretanto dormia. Sonhava com tudo o que lhe tinha acontecido em três dias e ansiava pelo futuro. Revia a primeira cabra, como ela a puxava pela encosta, no esforço que fazia. Mas a imagem que via mais era a do pescoço do animal, com a corda bem esticada em redor e ligada às suas mãos; depois os pescoços das outras cabras ligados aos seus dedos e o quão tensas as cordas estavam enquanto não se deixava ir; depois os cavalos, todo aquele poder preso a si nos seus dedos; depois revia um tronco de uma árvore ao qual atirou o laço, uns dias antes e ouvia o som do nó a prender-se; e depois uma pedra saída de uma parede...revia todos os sítios onde prendeu as cordas. Nesse momento acordou, sentindo a necessidade de prender-se a outra coisa. Mas ao seu lado já estava a sua mãe, caída, com as dez cordas ao seu pescoço, morta. Foi nesse momento que a rapariga percebeu que nunca tinha gostado de subir coisas, gostava apenas de as apertar.
E tu, tens a certeza do que gostas e queres fazer ou és apenas uma rapariguinha sádica?

2 comentários:

  1. correndo o risco de parecer estar a menosprezar um texto de profundidade e metáforas sublimes o ponto alto disto foi quando se leu "cabra selvagem".

    http://en.wikipedia.org/wiki/Wild_goat
    depois fiquei a saber que são uma espécie ameaçada

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  2. Ah pois, achas que não faço pesquisas.
    mas olha que estão enganados, há por aí bastantes, suspeito...

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