eles virão buscar-vos brevemente...

sábado, 2 de abril de 2011

noite amarela. 03/2011

O rapaz pára de escrever. Esgotou tudo o que tinha por hoje, os seus dedos encontram-se vazios depois de mais de três horas a bater num teclado. Apesar de tudo, o resultado não foi mais de uma página. Fica a pensar qual terá sido o tempo total que terá gasto no seu anterior e primeiro livro. Isso dá-lhe vontade de escrever mais. Mas onde e para quê? Não. Amanhã será outro dia. Por agora talvez seja melhor tentar descansar. "Tentar" porque usualmente não fica mais de quatro horas na cama, apenas duas delas a dormir. Poderá ser que as outras pessoas não pensem tanto quanto ele? Ou é o seu cérebro que anda cinco vezes mais veloz que o dos outros. Depois pensa também nas consequências disso. Com os seus dezassete anos, fica já com receio de uma morte antecipada, que os seus nervos não durem mais de um quarto de século. Que pavor de envelhecer. É já depois de desligar o seu pequeno portátil e de se deitar na cama que reflecte agora sobre o seu futuro. Escrever, escrever, escrever, escrever, escrever, escrever. Haverá mais que isso na sua vida? Pois claro que sim, que pergunta absurda. Há o ler o que escreveu, para começar, e há o ligar e o desligar do computador, o abrir e o fechar do programa e o dormir, evidentemente. E há também a escola e os conhecidos, os seus amigos e os seu pai. E há o mundo. O dia triste e a noite que passa sempre no mesmo sítio. A noite que vê amarela desde a sua janela. Desde quando é que ela é assim? Um cadáver. Assassinada pelas luzes. E ainda se interroga do porquê de não conseguir dormir. Poderá ser que as outras pessoas não pensem tanto quanto ele? E se ele não acordar, quem pensará nas coisas então? Nas nódoas de iogurte ressequido no chão da sua secretária e no verniz estalado por baixo delas, na textura das suas calças de pijama de polar, agora já cheias de borbotos, que alguém mais impaciente já teria tentado arrancar. No mosquito que o chateia nas noites de Verão e na borboleta que o segue, de asas cor de laranja e azuis, e o arranca do ar, consumindo-o e assim salvando o rapaz do seu irritante zumbido. Mas que borboleta é esta, que parece feita de papel, presa entre os dedos de uma rapariga. Que é que ela quer, salvá-lo ou tê-lo só para ela? Destruí-lo ela própria, essa cruel borboleta, pior que o pior dos mosquitos...? Que alucinação. Ele pensa compreender que sonha, que detém o controlo, e corta os dedos que seguram a borboleta, e prende-a entre o seu anterior e primeiro livro, no capítulo nono. E em que doce sonho se converterá agora esta noite. Um sonho em que se levanta e escreve, mas escreve sem pensar.
Sete horas depois acordará, sentar-se-à na sua cadeira em frente à secretária e escreverá. Nesse dia conseguirá chegar às oito páginas.E mais tarde, um dia, não escreverá mais. Morrerá antes de completar vinte anos, sem ter acabado o seu livro.

Sem comentários:

Enviar um comentário